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29/jun/2012

60 anos da FMRP-USP

60 anos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP

Prof. Dr. Benedito Carlos Maciel - Diretor da FMRP

 

Os 60 anos de atividades da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, completados no último dia 17/05, representa um momento especial de celebração, júbilo e congraçamento, mas, ao mesmo tempo nos oferece uma oportunidade única para expressarmos reconhecimento e gratidão a tantas pessoas e instituições que contribuíram de forma inconteste para que nossa Instituição atingisse, ao longo dessa jornada, sua reconhecida grandeza. Essa ocasião festiva também nos proporciona a oportunidade para refletir criticamente sobre os desafios e conquistas que fizeram parte dessa caminhada. Teríamos, 60 anos depois, tornado realidade os sonhos que embalaram os pioneiros na criação dessa escola? Teriam sido preservados, nesse período, os princípios básicos que nortearam sua criação? As respostas a essas questões exigem uma breve revisão histórica do período que precedeu a criação da FMRP e dos seus primeiros anos de existência. Quando se desconhece as origens e a própria história, corre-se o risco de, sem referências sólidas, perder-se ao longo do caminho.

 

Já nos primeiros anos após a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, que havia incorporado a então Faculdade de Medicina e Cirurgia São Paulo, criada em 1912, havia, no âmbito da Universidade uma acirrada discussão quanto à necessidade de ampliação do número de vagas do curso médico, o que incluía, como possível solução, a criação de outra escola médica no interior do Estado. Embora a posição predominante inicial fosse bastante contrária a essa possibilidade, duas figuras despontaram com contribuições decisivas neste período, o Prof. Miguel Reale, então Reitor da Universidade, que criou em 1947 uma comissão para avaliar a viabilidade de criação de nova Faculdade de Medicina, e o Prof. Zeferino Vaz, que coordenou essa Comissão.

 

Papel importante, nesse momento, também desempenhou a sociedade civil de Ribeirão Preto, que pressionava o poder político constituído em favor da interiorização do ensino superior no Estado. Foi fundamental a participação, neste processo, do Deputado Estadual ribeirão-pretano Luiz Augusto Leme de Matos, que obteve aprovação de seu projeto de lei , em 24/09/1948, que criava, entre outras, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

 

Depois disso, em dezembro de 1951, foi aprovada a lei que dispunha sobre a organização e finalidades da FMRP, cujo conteúdo foi bastante influenciado pelo Prof. Zeferino Vaz. A fase de instalação teve duas figuras fundamentais: novamente o Prof. Zeferino Vaz, indicado pela Reitoria, e o Dr. Paulo Gomes Romeo, então presidente do Centro Médico de Ribeirão Preto. Essa instalação foi marcada pelo improviso, mas foi bem sucedida tendo em vista o apoio essencial de várias outras instituições. Parte das atividades era desenvolvida em casa alugada no centro da cidade, onde estavam instaladas a administração da Faculdade e parte dos laboratórios de ensino. Nesse período, a Faculdade de Farmácia e Odontologia também cedeu espaço para atividades didáticas da FMRP. Por outro lado, as atividades clínicas eram desenvolvidas na Santa Casa de Misericórdia.

 

Em fevereiro de 1952, o Prof. Zeferino Vaz foi nomeado como o primeiro diretor da FMRP tendo exercido esse cargo por 12 anos seguidos. A aula inaugural do novo curso médico foi proferida, em 17/05/1952, em um cinema da cidade, pelo então governador de Estado, Lucas Nogueira Garcez, que tinha formação em engenharia.  Nessa fase inicial, deve-se destacar o apoio financeiro fundamental da Fundação Rockfeller, que propiciou infraestrutura para vários laboratórios da Faculdade. A todas essas pessoas e instituições devemos render hoje e sempre o nosso tributo e a mais profunda gratidão.

 

As limitações de infraestrutura começaram a ser superadas em Novembro de 1952, quando as edificações e a fazenda onde estava instalada a Escola Prática de Agricultura "Getúlio Vargas" foram cedidas pelo governo do Estado à USP para instalação da FMRP,  o que proporcionou, um pouco mais tarde, espaços mais adequados para salas de aulas e laboratórios. Essa mudança foi fundamental para o desenvolvimento do ensino universitário em Ribeirão Preto, uma vez que  em torno da Faculdade de Medicina se constituiu o Campus da USP de Ribeirão Preto, que hoje conta com 8 diferentes Unidade de Ensino da Universidade.

 

A organização funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto foi escorada em alguns pilares, que incluíam um currículo inovador no ensino médico, fundamentado no binômio ensino-pesquisa, o que exigia a busca de uma forte estrutura para investigação científica. Entre esses pilares, destacava-se a proposta de regime de dedicação integral de seus docentes, algo totalmente inusitado para escolas de aplicação. Entre os aspectos marcadamente inovadores desse currículo destacava-se a inclusão de disciplinas de Psicologia Médica, Bioestatística, Medicina Preventiva e Física Médica, além de mudanças de concepção e importância relativa de outras disciplinas tradicionais. Ao longo dos últimos 60 anos, nossa Faculdade vem fazendo revisões periódicas desse currículo e, neste momento, vivencia a fase final do desafio de implementar nova grade curricular, no curso médico, planejada com o objetivo de atender às Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, que tem como meta a formação de profissional médico com perfil generalista e humanista, com visão crítica dos problemas de saúde da população e capacidade de atuação em diferentes níveis de atenção à saúde, com ênfase no atendimento primário e secundário, bem como de participação em equipes de atendimento multiprofissional, com inserção no sistema de saúde vigente no país.

 

Nossa faculdade tornou-se, nos últimos anos, uma instituição mais complexa. A incorporação de 5 novos cursos de graduação (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Nutrição e Informática Biomédica ¿ este em parceria com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras), somada aos dois cursos mais tradicionais (Medicina e Ciências Biológicas) aumentou expressivamente o número de vagas (de 120 para 280), de alunos (de 600 para 1.300), bem como de carga horária por aluno (9.700 para 28.500 horas). Em 60 anos existência, foram graduados mais de 5500 alunos.  Para o adequado exercício dessas atividades de ensino, a Unidade dispõe de uma notável infraestrutura que inclui espaços localizados na FMRP, no Hospital das Clínicas e outras unidades de saúde, que totalizam mais de 3500 lugares distribuídos em quase 100 salas de aula e de 1600 lugares alocados em 14 auditórios, todos adequadamente equipados com recursos áudio-visuais para essas atividades.

 

A lei de 1951, que definiu a estrutura organizacional e as finalidades da FMRP, estabelecia que o corpo docente da Faculdade exerceria suas atividades em regime de tempo integral. Esse corpo docente foi dimensionado, inicialmente, em 142 professores em diferentes categorias funcionais na carreira.  Sessenta anos depois, a Faculdade tem, no seu corpo docente, 332 professores, sendo que 98,2% deles exercem suas atividades em regime de dedicação exclusiva, o que se mantém, nos tempos atuais, como uma característica bastante atípica para escolas de aplicação. O quadro de pessoal é completado por 540 servidores não docentes.

 

Os programas de pós-graduação "strictu sensu" foram implantados, em nossa Unidade, no ano de 1970. Inicialmente, eles abrangiam 13 áreas do conhecimento, tanto para Mestrado como para Doutorado. Desde então, esses programas de pós-graduação também experimentaram crescimento, chegando, no ano passado, a 18 programas "stricto sensu" e 2 programas de mestrado profissional, com mais de 1300 alunos matriculados. São titulados anualmente em torno de 400 alunos, sendo que, ao longo de 42 anos, foram titulados mais de 6400 profissionais. A pujança da pós-graduação na nossa Unidade pode ser aquilatada pela análise da relação entre o número de alunos de graduação e pós-graduação quando comparada com o conjunto da Universidade: enquanto na USP, em suas 42 unidades, existem aproximadamente 23.000 alunos de pós-graduação para 57.000 alunos de graduação, a nossa Faculdade tem número praticamente equivalente, em torno de 1350, tanto na graduação como na pós-graduação. O esforço para elevar todos os programas para o nível de excelência, com base nos critérios da CAPES, tem sido continuado e perseverante. Atualmente, 94% dos programas têm notas 5, 6 ou 7, que caracterizam essa  excelência, sendo que 4 programas tem a nota máxima, 7. Em recente avaliação externa, promovida pela Universidade, o avaliador que analisou toda a pós-graduação da USP considerou que os programas da FMRP constituíam uma das "jóias da coroa" da pós-graduação na USP.

 

A estruturação funcional da Faculdade com base no binômio ensino-pesquisa e o esforço para constituir uma forte estrutura para investigação científica, foram objeto, em diferentes momentos da história, de manifestações enfáticas e até visionárias do seu criador, o Prof. Zeferino Vaz. Essa preocupação manteve-se intacta ao longo dos últimos 60 anos. A elevada qualificação e o notável esforço do corpo docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto têm propiciado resultados que denotam o vigor das atividades de pesquisa na nossa Instituição. Há vários anos, a FMRP lidera a produção científica internacional da USP, tal como documentado no anuário estatístico da Universidade. A captação de recursos de pesquisa junto a agências de fomento tem crescido continuamente. A FAPESP, uma das principais agências de fomento, atribui, para a instituição de origem do pesquisador que tem seu projeto aprovado, um montante que equivale a percentagem do valor total concedido ao projeto. Esse recurso é chamado de reserva técnica institucional. Portanto, o valor total recebido por uma Faculdade tem relação direta com o total de recursos concedidos aos seus docentes. Em 2011, nossa Faculdade foi a primeira colocada, em toda a USP, na captação de recursos junto à FAPESP.  Nos últimos 6 anos, a reserva técnica institucional da nossa Faculdade somou quase 10 milhões de reais.

 

Entretanto, a FAPESP não é a única fonte de captação de recursos. Em 2011, considerando outras agências de fomento públicas, recursos privados e programas de fomento da própria Universidade, foram captados mais de 64 milhões de reais, o que equivale a aproximadamente 45% do orçamento da FMRP, no mesmo ano. Considerando a íntima relação entre a pós-graduação e o volume de produção científica, a pujança da nossa pós-graduação é elemento fundamental para o crescimento das atividades de investigação. Destaque-se, ainda, a importância dos programas de pós-doutorado, que já acolhem em torno de 100 pesquisadores na nossa Unidade.

 

A lei que estruturou a FMRP, em 1951, já previa a criação de um Hospital das Clínicas onde os alunos pudessem realizar as atividades práticas do curso de graduação. Inicialmente, essas atividades foram desenvolvidas na Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto. Objetivamente, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto foi criado pela lei 3274 de 23/12/1955. Sua implantação, contudo, ocorreu em 31/07/1956, graças à cessão, pela Fundação Sinhá Junqueira, de um edifício em construção, na região central da cidade, inicialmente previsto para ser uma maternidade. Este edifício foi adaptado para ser um hospital geral e, posteriormente, ampliado com a construção de um novo bloco.  Com o tempo, essa estrutura mostrou-se insuficiente e um novo hospital foi planejado e construído, sendo inaugurado em 1978.

 

Com a inserção do Hospital das Clínicas no SUS, em 1989, e com a progressiva organização desse sistema público de atendimento, esse hospital foi inserido como referência terciária do sistema, passando a acolher pacientes cada vez mais complexos, o que, nem sempre, o tornava adequado para o ensino de graduação. A necessidade crescente de locais de atenção à saúde de menor complexidade, mais propícios para a formação dos alunos de graduação, fez com que Faculdade de Medicina e o seu Hospital das Clínicas, duas instituições juridicamente independentes mas intimamente interligadas do ponto de vista funcional, estabelecessem novas parcerias para atender a esses objetivos. Como resultado, criou-se um amplo e invejável complexo de atenção à saúde, com inserções em todos os níveis de atendimento (primário, secundário e terciário). Assim, além dos cenários tradicionais de extensão de serviços à comunidade, em nível terciário, o Hospital das Clínicas, Campus e Unidade de Emergência, o Complexo é composto por unidades de saúde de nível secundário, como o Hemocentro, o Centro de Saúde Escola, o Hospital Estadual de Ribeirão Preto, Centro Estadual de Referência da Mulher, a maternidade Mater, o Hospital Estadual de Américo Brasiliense, o Centro Integrado de Reabilitação e, brevemente, o Hospital Estadual de Serrana. Na atenção primária, ele incorpora, ainda, um centro avançado de atendimento, em Cássia dos Coqueiros, e unidades de atendimento básico  em Vila Lobato, Vila Tibério,  Ipiranga,  além de 8 núcleos de saúde da família  localizados na região oeste da cidade de Ribeirão Preto. Evidentemente, essa ampliação de atividades incrementou o desafio para oferecê-las com qualidade, competitividade e eficiência.

 

Por justiça, deve ser reconhecido que a constituição desse complexo não teria sido possível sem a existência da FAEPA, a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas, que, cumprindo seus objetivos estatutários, assumiu o gerenciamento de várias dessas unidades de saúde. Isso apenas confirma minha percepção de que Faculdade, Hospital das Clínicas e FAEPA estão entre os melhores parceiros para o Sistema Único de Saúde, tanto em nível municipal como estadual.

 

Essa integração deve ser estimulada uma vez que, por um lado, permite-nos cumprir nosso compromisso com a sociedade ao oferecer serviços de extensão de elevada qualidade e, por outro, atingir nossos objetivos de ensino e pesquisa em diferentes cenários de atendimento à população. Destaque-se, que essa invejável e ampla infra-estrutura de atenção à saúde evidencia a ampla inserção desses serviços de atenção à saúde no SUS e a utilização desse complexo de atendimento médico como campo para produção de novos conhecimentos.

 

Deste modo, nossa faculdade está habilitada não apenas na formação de profissionais qualificados para exercer suas atividades, com proficiência, em unidades de atendimento do Sistema Único de Saúde, mas em qualquer unidade de atendimento à saúde da população, assim como para assumir posições de liderança e gerenciamento de programas de atenção à saúde, possibilitando, por meio da integração, o aprimoramento do trabalho em equipe multidisciplinar e multiprofissional.

 

Portanto, o legado recebido pela nossa geração representa um patrimônio valioso, sólido em seus pilares fundamentais, de inserção no ensino, na pesquisa e na extensão de serviços à comunidade, que não apenas deve ser preservado, mas sim aperfeiçoado continuamente, de modo a fazer face aos desafios constantes do mundo moderno e globalizado, bem como ao acelerado desenvolvimento científico e tecnológico. A grandeza dessa instituição continuará a ser conquistada a cada dia, com perseverança e destemor.

 

Do ponto de vista econômico, esse Complexo Acadêmico de Atenção à Saúde movimenta um volume expressivo de recursos, que foram, em 2011, da ordem de 847 milhões de reais, incluindo os orçamentos e receitas extra-orçamentárias da FMRP, do Hospital das Clínicas, do Hemocentro e de todos os demais hospitais associados. Certamente, esse montante representa um valor significativo para a economia da cidade de Ribeirão Preto e da região. Quando se consideram os recursos orçamentários movimentados pelas demais unidades da USP de Ribeirão Preto e pelos aproximadamente 10.000 alunos desse Campus, esse impacto é ainda mais expressivo e impactante.

 

O momento é de júbilo e de celebração, mas também é de reconhecimento e gratidão a todas as instituições, membros da sociedade civil e dirigentes da Universidade que tornaram possível o sonho dos nossos pioneiros.

 

No ano em que completa 60 anos, nossa Faculdade foi contemplada com a realização de mais um sonho que vinha sendo acalentado há muitos anos. Com o crescimento da Faculdade, o prédio central, edifício tombado pelo patrimônio histórico, símbolo que melhor representa nossa Instituição, tornou-se inadequado para acomodar os laboratórios de pesquisa de todos os docentes das áreas básicas. Com base nessa dificuldade, foi desenvolvido o projeto executivo de um moderno edifício para acomodar os 5 departamentos de ciências básicas. Esse edifício, com 23.000 metros quadrados está com o processo licitatório para sua execução para ser iniciado.

 

Retornando às duas questões apresentadas inicialmente, com base nessa breve revisão histórica e no resumo da evolução da nossa Faculdade ao longo desses 60 anos, parece razoável considerar que a maior parte dos sonhos que moveu os fundadores da nossa escola se realizou.  Do mesmo modo, deve-se admitir que parcela substantiva dos princípios que nortearam sua criação foram preservados.

 

A grandeza dessa instituição foi construída a partir do sonho de seus fundadores, lapidada pelo esforço, competência e talento de algumas gerações de dirigentes, professores e servidores, que a transformaram em uma das mais importantes instituições universitárias do país, na área da saúde: referência na qualidade do ensino que oferece, paradigma pela sua inserção na investigação científica, respeitada pela qualidade da atenção à saúde que proporciona. Uma instituição cuja grandeza sempre será superior à somatória de seus valores individuais.

 

 Nossa Faculdade tem mantido uma interface bem ampla com outras unidades do Campus que atuam na área da saúde, ampliando as experiências positivas que já existem no programa de saúde da família, no Centro de Saúde Escola e na Mater. Do mesmo modo, tem interagido de forma abrangente e colaborativa com todas as unidades, no gerenciamento administrativo do Campus, apoiando enfaticamente a importante iniciativa de promover amplo processo de descentralização da gestão da Universidade de São Paulo.

 

A USP vem galgando progressivamente posições mais destacadas no cenário internacional, posicionando-se, na dependência dos critérios utilizados pelos diferentes rankings internacionais independentes, entre as 100 ou 200 melhores universidades do mundo. Ela responde por aproximadamente 30% da produção científica nacional. A Reitoria estabeleceu, entre suas metas, sua consolidação como universidade de Classe Mundial, ampliando especialmente seu caráter cosmopolita, através da internacionalização. Esteja certo, Prof. João Grandino, que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto continuará empreendendo notável esforço para contribuir para o aprimoramento institucional.